O papel dos ácidos graxos ômega-3 na saúde mental humana vem sendo muito estudado nas últimas décadas.
Os ácidos graxos ômega-3, compostos pelo ácido alfa-linolênico (ALA), ácido eicosapentaenoico (EPA) e ácido docosahexaenóico (DHA), constituem uma das classes mais importantes de PUFAs, componentes essenciais de fosfolipídios e ésteres de colesterol da membrana celular neuronal, juntamente com os ácidos graxos ômega-6, os quais abrangem os ácidos araquidônico (AA) e linoleico.
Inúmeras fontes mostram que os seres humanos evoluíram em uma dieta com a proporção de ácidos graxos ômega-6 para ômega-3 de aproximadamente 1:1.
No entanto, na dieta moderna ocidental, a proporção passou a ser em torno de 20:1, tendo em vista a grande quantidade de ômega-6 nos alimentos.
Ocorre que o excesso de ácidos graxos poliinsaturados ômega-6 pode ocasionar o desenvolvimento de inúmeras doenças, como câncer, doenças cardiovasculares, inflamatórias e autoimunes, enquanto altas concentrações de ômega-3 são capazes de inibir estes efeitos, promovendo também ação hipolipidêmica e anti-inflamatória.
Os ácidos graxos ômega-3 são ácidos graxos essenciais que os seres humanos e outros animais necessitam para a manutenção da saúde e que não são sintetizados pelo corpo, sendo necessário introduzi-los por meio da alimentação e suplementação, como o óleo de peixe.
O ácido eicosapentaenoico (EPA) e o ácido docosahexaenoico (DHA) atuam como inibidores competitivos dos ácidos graxos ômega-6, causando uma redução na síntese de mediadores pró-inflamatórios. Sendo assim, uma dieta rica em óleo de peixe tem sugerido uma diminuição na incidência de doenças inflamatórias.
Desenvolvimento
Nos últimos anos, o interesse pelos ácidos graxos ômega-3 aumentou na área da psiquiatria, e o seu papel no tratamento de um grande número de doenças mentais vem sendo investigado e a justificativa leva em consideração a sua ação primária em promover alterações na composição de ácidos graxos fosfolipídeos da membrana sináptica e modulação da cascata de segundos mensageiros.
Estes agentes modulam a sinalização de células cerebrais, abrangendo vias serotoninérgicas e dopaminérgicas.
A proporção balanceada de ômega-3/ômega-6 é imprescindível para o funcionamento do sistema nervoso central, sendo EPA e DHA os principais agentes na regulação da neurogênese, neurotransmissão e sobrevivência celular.
O desequilíbrio entre ômega-3 e ômega-6, envolvido em processos inflamatórios, é frequente em pacientes com distúrbios afetivos, incluindo pacientes diagnosticados com transtorno bipolar, o que justifica o interesse pela suplementação de ômega-3 como uma possível terapia para transtornos psiquiátricos.
O transtorno bipolar caracteriza-se por episódios maníacos ou hipomaníacos com um estado anormal de euforia ou excitação e, na maioria dos casos, por episódios depressivos maiores alternados.
Intervalos livres entre os episódios estão frequentemente presentes e duram por períodos variados.
A doença é relativamente comum e atinge de 1% a 2% da população, gerando inúmeros prejuízos e sendo uma das principais causas no mundo de incapacitação.
O tratamento para a doença é medicamentoso, aliado à intervenção psicossocial.
Estudos epidemiológicos e bioquímicos demonstram evidências irrefutáveis acerca da relação entre transtorno bipolar e redução da ingestão de ômega-3.
Níveis reduzidos de ácidos graxos ômega-3 foram encontrados no sangue e no tecido cerebral de pacientes com transtorno bipolar após a morte, sugerindo que o baixo consumo de ômega-3 é um fator de risco evitável para transtornos de humor. No entanto, esta afirmação ainda carece de evidências.
Inúmeros estudos duplo-cegos controlados por placebo avaliaram a aplicabilidade da suplementação com ômega-3 em transtornos de humor e apresentaram resultados mistos.
Embora os resultados sejam contraditórios, a suplementação de ômega-3 passou a ser indicada pela American Psychiatric Association (APA).
O Subcomitê de Ácidos Graxos Ômega-3 reunido pelo Comitê de Pesquisa em Tratamentos Psiquiátricos da APA orienta que os “pacientes com humor, controle de impulsos ou distúrbios psicóticos devem consumir 1g de EPA+DHA por dia”.
Estudos pré-clínicos sugerem que os ácidos graxos ômega-3 podem amenizar as modificações relacionadas ao estresse em animais e humanos com características depressivas, pois estes ácidos graxos estão supostamente associados aos processos de mielinização e poda sináptica, os quais são essenciais para o desenvolvimento cerebral.
Os PUFAs ômega-3 possuem a capacidade anti-inflamatória e de imunomodulação por meio da modulação de ácidos graxos ômega-6 e da promoção de resolvinas, mediadores anti-inflamatórios e neuroprotetores.
Os ácidos graxos ômega-3 estão também comprometidos na fluidez da membrana, fazendo com que haja uma melhora na transmissão monoaminérgica.
As pesquisas disponíveis também apresentaram materiais promissores com relação à função dos PUFAs ômega-3 no tratamento de transtornos afetivos.
Estes ácidos graxos, administrados em doses elevadas (1-2 g/dia, com relação EPA:DHA = 2:1), supostamente amenizam os sintomas depressivos. No entanto, faltam evidências acerca da eficácia dos sintomas maníacos.
Cinco ensaios clínicos randomizados foram conduzidos com a finalidade de avaliar o efeito da suplementação de EPA e DHA no transtorno bipolar, além de medicações antipsicóticas e estabilizadoras do humor.
Um estudo randomizado avaliou EPA mais DHA como monoterapia versus placebo e outro estudo testou a aplicabilidade do ácido alfa linolênico (ALA) mais outros medicamentos psicotrópicos em crianças e adolescentes com transtorno bipolar.
Dos sete estudos avaliados, apenas dois ECRs apresentaram resultado significativo de EPA e DHA nos traços depressivos do transtorno bipolar, havendo remissão destes sintomas. Os outros cinco estudos restantes não apresentaram diferenças consideráveis em sintomas depressivos ou maníacos.
Existem também alguns estudos com desfechos menos confiáveis, evidenciando que o desenho e a execução dos ensaios devem ser melhorados para se chegar a fechamentos conclusivos, por exemplo, a duração do ensaio deve ser de no mínimo 3 meses para que haja alterações na composição de ácidos graxos do cérebro.
Sugere-se que o padrão alimentar moderno ocidental esteja relacionado a uma maior chance de se desenvolver o transtorno bipolar, tendo em vista tratar-se de uma alimentação que contribui para a carência de nutrientes, sendo deficiente em vegetais, frutas e fontes de ômega-3, como peixes, ovos e leite.
Por outro lado, as dietas que enfatizam legumes, frutas, grãos integrais e peixes estão relacionadas a uma menor chance de se desenvolver a doença.
Considerações finais
Nota-se que os achados em revisões sistemáticas e metanálises acerca do transtorno bipolar sugerem um potencial benefício no papel dos ácidos graxos ômega-3, em conjunto às medicações padrão, para tratar os sintomas depressivos, na dosagem de 1 a 2g/dia. No entanto, não apresentaram a mesma eficácia na atenuação dos sintomas maníacos do transtorno bipolar.
Além do mais, foi concluído através de quatro revisões sistemáticas e duas metanálises, que a insuficiência de estudos, a diferença nos métodos, o tamanho reduzido das amostras, a diversidade na duração dos ensaios, os tipos e dosagem de PUFAs, a associação com medicações padrão e avaliações de acompanhamento constituíram importantes limitações, o que impossibilitou a coleta de dados fidedignos acerca do tema em estudo.
Assim, apesar de o papel de EPA e DHA nos últimos anos ter sido alvo de atenção para o tratamento de transtornos psiquiátricos em uma quantidade considerável de ensaios clínicos, ainda é necessário um consenso acerca da sua funcionalidade, pois os achados disponíveis são contraditórios e inconclusivos.
É importante também que haja cautela na interpretação das conclusões acerca da suplementação com ômega-3 em pacientes, tendo em vista que um dos pontos a ser levado em consideração é a forma como a doença afeta a qualidade de vida do paciente, sendo que as pessoas diagnosticadas com transtorno bipolar apresentam maiores taxas de hábitos alimentares ruins, desemprego e conflitos familiares.
Levando isto em consideração, o simples fato de estar participando de um ensaio poderia levar a uma consequência positiva, tendo em vista a melhora de um aspecto na qualidade de vida do paciente.
Além do mais, a suplementação com ácidos graxos ômega 3 tem se mostrado positiva para a saúde cardiovascular e metabólica, tendo um desfecho positivo na saúde de modo geral.
Sendo assim, não parece conveniente fazer a suplementação com ácidos graxos ômega-3 na psiquiatria, independentemente de quão mínimos sejam os efeitos adversos desta intervenção, a menos que sejam encontrados resultados seguros acerca dos benefícios de sua utilização.
Por outro lado, é seguro o tratamento do transtorno bipolar com o uso de medicamentos tradicionais, terapia, alimentação saudável com duas ou mais porções de peixe (segundo as recomendações do Subcomitê de Ácidos Graxos Ômega-3) e prática de atividade física.
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Fonte: Nutrify